“– Hei! Quem gravou a primeira ópera-rock brasileira?”
Se alguém lhe fizesse essa pergunta simples você saberia
a resposta?
Se sim, parabéns! Se não, qual é o primeiro artista/banda
que vem a sua cabeça?
Será que foi o Raul? Mutantes? Secos & Molhados? Titãs?
O Terço? Ou será alguma banda brasiliense dos anos 80?
Não meus caros, o primeiro músico brasileiro a gravar uma
ópera-rock foi o popularesco Odair José. Sim! Isso mesmo!!!
Odair José nasceu em 16 de Agosto de 1948, em Morrinhos,
Goiás. Começou a escrever suas primeiras canções na adolescência influenciado
principalmente pela música caipira brasileira e mais tarde por nomes do country
americano como Hank Williams. Aos 17 anos trabalhou como crooner interpretando
canções populares em bares, inferninhos e onde mais o deixassem entrar e cantar
em troca de qualquer trocado.
Fez parcerias e escreveu músicas para um punhado de
artistas, e por meio do amigo Zé Rodrix – na época membro do grupo progressivo
Som Imaginário – descolou um contrato com a WEA Records – e lançou seu disco de
estreia em 1970. Daí para frente foi uma sucessão de álbuns e grandes hits como
“Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”, “Cadê Você?” e “Uma Vida Só (Pare de Tomar a
Pílula)”.
Por ter um estilo romântico-açucarado foi apelidado de “O
Terror das Empregadas” – que deliravam quando suas músicas tocavam nos velhos
radinhos de pilha.
Apesar do sucesso popular, Odair nunca caiu nas graças da
crítica que o classificava como um artista de baladas melosas, musicalmente
inferior ao que rolava no Brasil nos anos 70.
Também foi perseguido pelas alas mais conservadoras da
sociedade por tratar abertamente de temas como sexo em suas letras – um grande
tabu na época.
Apesar de seu estilo musical ser flexível podemos
categoriza-lo como expoente do romântico-brega. Na mesma linha de artistas como
Reginaldo Rossi e Waldick Soriano.
Agora é a hora de você fã de rock/metal começar a torcer
o nariz! Mas gostemos ou não, Odair sempre foi diferenciado numa visão geral da
música nacional. Suas letras apesar de românticas, trazem pitadas de ironia e
bom-humor de forma muito inteligente e sua influência das músicas de raiz
contrasta bem com os arranjos mais elaborados de suas canções.
Em meados da década de 70 foi excomungado da igreja
católica por se pronunciar a favor do sexo fora do casamento, este fato, entre
outros o levou a manter-se recluso. Negando aparições em programas de TV que
insistiam em associá-lo a conotações ofensivas como “O Terror das Empregadas” e
“ídolo brega”.
Passou o tempo afastado ouvindo discos e lendo livros.
Foi durante a leitura da obra O Profeta, do escritor líbano-americano Khalil Gibran,
que teve a ideia de gravar um disco inteiro sobre a história de um profeta contemporâneo,
contando como teria sido a vida de Jesus se ele tivesse nascido em tempos
modernos.
Escreveu um total de 24 canções e levou a ideia para a
Phillips. Os executivos da gravadora detestaram a ideia e se recusaram a lançar
tal disco.
Contrariado, Odair não desistiu e foi conversar com a
concorrente da Phillips, a RCA-Victor. Conseguiu assinar um contrato com a
gravadora, mas teve de adaptar a obra original porque a RCA impôs a condição de
que o disco deveria ser simples e não duplo como Odair planejava.
Enxugou as canções ao máximo e foi para o estúdio com 10
temas.
Como estava ouvindo muito artistas como Peter Frampton,
Joe Walsh e Jeff Beck, decidiu que gravaria um disco de rock operesco. Com
guitarras, teclas e cozinha pesada.
Participarão das gravações: Jaime Alem (violão), Hyldon
(guitarra), Robson Jorge (piano), José Roberto Bertrami (órgão e clarinete),
José Lanforge (harmônica), Alex Malheiros (baixo) e Ivan Conti (bateria), os arranjos
de cordas e metais ficou por conta de Don Charley.
Odair além de cantar, tocou violão, guitarra e ajudou o conceituado
Durval Ferreira na produção do disco.
Com composições bem elaboradas O Filho de José e Maria retrata
bem a vida do homem comum. O ser imperfeito, com relações familiares
desgastadas, que acaba deixando-se cair nas armadilhas dos vícios e do sexo, que
carrega consigo as perguntas que não poderão ser respondidas – “de onde venho?”,
“pra onde vou?”, “qual o sentido da vida?”.
É musicalmente maravilhoso. Uma mistura interessante de gêneros,
com cada músico contribuindo de forma importante para o excelente trabalho
final.
Odair José consegue transitar vocalmente bem entre as emoções
diferentes de cada uma das faixas. Os violões combinam perfeitamente com os sons
delicados de órgão, a cozinha vai bem tanto nas baladas quanto nos temas mais
pesados, o guitarrista Hyldon – que tocou muito tempo com Tim Maia – incrementou
as músicas com sua pegada funkeada, o pianista Robson Jorge conseguiu transmitir a
angustia do personagem em cada nota. Os arranjos de cordas de Don Charley ainda
trazem uma sofisticação inestimável ao álbum.
Quando foi lançado em 1977 O Filho de José e Maria foi um
verdadeiro desastre comercial.
A crítica não entendeu aquele conceito de ópera-rock
ainda inédito no Brasil.
Os temas pesados foram mal recebidos pelo público cristão
conservador que repudiou a história de um menino-messias fruto de um
relacionamento fora do casamento que sofreu com a separação dos pais e passou
por dilemas como a própria condição sexual, descrença religiosa e o abuso de
drogas – Odair era usuário de maconha e cocaína na época.
A igreja o classificou como um disco blasfêmico e ajudou
a afastar o público cativo de Odair.
Em todos os cantos diziam que ele havia enlouquecido. Que
o compositor de canções de amor tão belas não poderia ter concebido abominações
como essas em suas plenas faculdades mentais.
O efeito dessa antipropagando empurrou as vendas do disco
para baixo e culminou numa queda expressiva de popularidade de Odair – sua
carreira nunca mais foi a mesma.
Olhando em retrocesso chegamos à conclusão que o Brasil
apesar de berço de artistas iluminados sempre esteve culturalmente atrasado.
Enquanto países discutem abertamente temas polêmicos, nós
brasileiros criamos tabus hipócritas sobre o que não queremos (ou não gostamos)
de falar.
A verdade é que Odair sempre foi muito mais do que a mídia
queria que fosse. Não era apenas o cantor romântico, o apaixonado ufanista, era
também um ser pensante e contestador, cheio de defeitos como nós e como o próprio
messias sobre quem havia escrito.
Agora que vocês já sabem a resposta sobre quem gravou a
primeira ópera-rock no Brasil quero levantar outra questão:
Se de forma enxuta O Filho de José e Maria já é brilhante.
Imaginem se por acaso as gravadoras não fossem tão covardes e aceitassem a proposta
de um álbum duplo com 24 canções. Aonde o disco poderia ter chegado?
Talvez uma ópera-rock do mesmo nível de Tommy, The Lamb
Lies Down on Broadway ou The Wall. Certamente nunca saberemos, mas mesmo assim
vale a pena ouvir um pouquinho da história do nosso profeta mundano
legitimamente brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário